19 de jul. de 2020

Rubem Berta e o Tupinambás

Eloy Jonas Allegretti – Tucano – 1961/1970
abril/2020 

Praticamente desde a sua fundação, os Tupinambás, tiveram como sede o porão de um prédio de dois pavimentos situado na Avenida Maurício Cardoso, tendo em frente   um ponto de táxi no vão central da avenida, e ao lado direito de quem olha para a avenida, o pátio de entrada da majestosa Igreja Matriz São José. Este pátio pode-se dizer era o “Largo da Matriz”.

No andar térreo deste prédio, no tempo em que estou situando este texto ano de 1969,  funcionava a Livraria Lírio. No pavimento acima funcionava a Rádio Difusão Sul Rio-grandense.

Pois bem, este porão tinha cerca de 2,5 metros de profundidade em relação ao nível da avenida e era praticamente de forma quadrada medindo uns 20 por 20 metros.  Era circundado por uma sólida parede de blocos de pedras basalto regulares talhadas com esmero no formato de um cubo de 40 cm e encaixados umas ao lado das outras.  No canto da parede que dava para a avenida, logo acima da última carreira dos blocos de pedra havia uma pequena janela basculante de ferro e vidro para a entrada de ar e claridade, e logo abaixo desta janela constava uma belíssima pintura feita por Peri Bueno destacando um escoteiro em forma de marcha empunhando uma bandeira.   Mas registre-se que o porão contava com energia elétrica e era bem iluminado.  O chão era de lajotas encaixadas e o teto era o assoalho da livraria.

Estes 400 m² eram ocupados em parte para a guarda de alguns materiais pertencentes à Paroquia São José, uma sala para nossa intendência (guarda da carrocinha, barracas,  e demais utensílios de acampamento, kit de primeiros socorros, cerca de uns 500 metros de corda para cordões de isolamento, etc),  sala para uso da Alcateia de Lobinhos,  uma sala - onde se situava a janela basculante,  para as reuniões dos  Escoteiros na qual eram dispostos  os “Cantos de Patrulha” – 4 patrulhas: Águia; Cão; Búfalo; e Morcego,  mais tarde com a criação da Tropa Senior uma sala para uso destes, com as patrulhas Givaros e Cruzeiro do Sul fundadoras da tropa  e mais um espaço na entrada, vindo pelos fundos do porão  que dava acesso às dependências ora citadas.  

No lado externo do porão antes da porta de entrada situada nos fundos  havia um sanitário  e a seguir  um enorme pátio calçado com tijolos que utilizávamos para os mais variados jogos e atividades: cabo de guerra; escalpo; lagartixa; saltos em distancia e altura; concurso de nós; orientação instintiva; prática de sinais de semáfora com envio e recebimento de mensagens;  gincanas; preparação e condução de maca;  prática de ordem unida para os desfiles de 7 de setembro; treinamento na formação da pirâmide humana; mastro para hasteamento da bandeira no modelo triangular de uso praticamente inovador pelos escoteiros.  Em muitos sábados à noite também fazíamos o Fogo do Conselho com as atividades pertinentes. Nestas oportunidades também realizávamos a cerimonia da Promessa Escoteira com o recebimento do lenço e quando só restavam as brasas, os que haviam feito a promessa pulavam o braseiro e recebiam os apelidos correspondentes.    Este foi o meu caso num sábado no final de 1961, recebendo o apelido de Tucano.  (tive como madrinha que me colocou o lenço a bandeirante Leiza Santos).

Ainda após o pátio de tijolos, em direção ao portão que dava acesso a Av. Presidente Vargas havia um grande pátio gramado onde praticávamos concurso de armação de barraca por patrulha e também individual, ou seja armar a barraca sozinho no menor tempo possível.

Por este portão é que saíamos para os acampamentos puxando a carrocinha. Este portão também dava acesso à sede da tropa de Bandeirantes Princesa Isabel  que ficava exatamente embaixo do altar da Igreja Matriz São José, local conhecido como “ cripta” .

Perdoem-me o grau de detalhamento deste aprazível local, situado na parte mais central da cidade.  No entanto, era propriedade da Paróquia São José que fazia parte da diocese de Passo Fundo.

O Fato é que a paróquia seria elevada a categoria de diocese. Erechim seria sede de novo bispado e a Igreja Matriz seria demolida para dar lugar a uma nova e moderna Catedral.

Em razão disso devíamos desocupar a sede pois o local seria utilizado para as necessidades de demolição e construção. Recebemos do Padre Atalibio Lize então pároco da igreja matriz um prazo para a desocupação da sede  e aí começou  nossa preocupação  minha e do Mario Rossini.  Para onde Ir? Embora soubéssemos com bastante antecedência da demolição da imponente igreja, aliás, uma demolição polêmica, acreditávamos que não seríamos afetados com a necessidade de desocupar o local, pois o prédio estava situado ao largo da Catedral onde esta seria erguida.  Sendo fato consumado que tínhamos que nos mudar para algum lugar, cheguei a cogitar um pleito para a construção de uma sede numa clareira no “Mato da Comissão” -  designação atual Parque Municipal Longines Malinowski.  Imaginava eu que ali seria o local ideal para nossa sede. Porém, a depender da prefeitura isso seria impossível por várias razões. Também cheguei a conclusão que o local não seria o ideal como inicialmente havia imaginado  pois seria necessário levar energia elétrica, agua encanada, etc., além do que não seria  seguro principalmente à noite durante os dias de semana em que seriam realizadas as “reuniões de patrulha”. E num local mais próximo da lateral do parque existia um pequeno zoológico com algumas antas, pacas e outros animais  silvestres cuidado por um caseiro que vendo nossas visitas não ficou nada contente  e satisfeito pela tentativa de invasão “de sua propriedade”. Não seria uma boa vizinhança.       

Precisávamos urgente de um local para nossa sede. Não teríamos dificuldade em alugar algum barracão e fazer as adaptações necessárias, mas não tínhamos receita financeira para arcar com o aluguel, além do que sempre estaríamos sujeitos a mudanças de local.

Fácil imaginar que a situação era bastante preocupante. Foi então, acho que num domingo à tarde eu estava na casa do chefe Mário Rossini (Coati) trocando ideias a respeito do que iriamos fazer mesmo que fosse de forma provisória para liberar o quanto antes o “nosso” porão, quando o pai do Mário, sr. Mario Rossini nos deu a ideia: porque não pleitear junto ao prefeito a cessão de uma sala embaixo do Viaduto Rubem Berta? A ideia foi uma luz no túnel. Embaixo do viaduto haviam duas salas que estavam vazias e bem que podíamos ocupar uma delas para a sede dos Tupinambás! Começamos a concatenar como abordar o assunto perante a prefeitura, visto que o viaduto havia sido construído pela municipalidade e inaugurado há pouco tempo, cuja construção teve inIcio em 1966, na gestão do Prefeito Eduardo Pinto que teve dois filhos escoteiros. O nome foi uma homenagem a Rubem Berta, primeiro funcionário da VARIG cuja fundação foi no final da década de 1930 e depois foi seu presidente por várias gestões e falecido de ataque cardíaco em dezembro de 1966 quando o viaduto ainda estava em construção. Era uma obra de vital importância para o desenvolvimento urbano visto que a linha férrea que cruzava a Av. Maurício Cardoso trazia sérios riscos e já havia sido a causa de vários acidentes. Naquela época, o transito de trens era muito, mas muito frequente, tanto trens de carga como de passageiros que demandavam para os mais variados destinos.

Pois bem, o projeto do viaduto contemplou a construção das citadas salas e que eu saiba, sem que se desse alguma destinação prévia, porém de feliz concepção.                                                   

Convictos que teríamos sucesso em ter uma das salas como sede definitiva para os Tupinambás, Mario e eu definimos uma estratégia para a abordagem do assunto a qual deveria ser sem fazer alarde, pois nossa pretensão poderia desencadear o interesse de outras entidades e  poderia haver disputas pelo local . 

O Mário tinha grande amizade e grau de parentesco com Geder Carraro, um dos proprietários do jornal A Voz da Serra e fez contatos solicitando o apoio dele caso necessário. Tudo certo. Teríamos total apoio. Também articulamos contatos para obter o apoio de outras lideranças. Tal como pais de escoteiros sr. Romulo Monteiro delegado regional de policia, , tenente Bica comandante do destacamento da Brigada Militar de Erechim entre outros,   Enfim alinhavamos bem a nossa pretensão e acabamos por conseguir  a cessão da maior das salas tendo como chão piso de cerâmica e  teto a pista de rodagem do viaduto. Sala grande com vão livre sem colunas no interior e com um pé direito alto que poderia ser construído um mezanino para melhor aproveitamento do local. A mudança foi rápida e não lembro se ainda na gestão do Prefeito Eduardo Pinto - que teve dois filhos escoteiros, ou na de seu sucessor Irani Jaime Farina.   

Ocorre que transcorrido mais ou menos 1 ou 2 meses após a nossa mudança, recebemos a notícia de que deveríamos ceder uma parte para AEE-Associação Erechinense de Estudantes, significando que a sala deveria ser dividida. Não tínhamos como deixar de acatar esta determinação e então fizemos uma parede divisória de madeira, com tábuas tipo macho e fêmea transformando o local em duas salas. Mesmo assim ficamos com cerca de 2/3 do espaço e a AEE com o restante.  Registre-se que até então a AEE ocupava uma pequena sala num prédio da Rua Alemanha que também abrigava as instalações da Rádio Erechim.

Junto com um tio meu que era carpinteiro/moveleiro, numa noite fizemos a divisória com um alpendre e respectivas portas de entrada com fechadura para cada sala. A porta de aço tipo cortina de enrolar e girava para cima, compondo a parede da fachada externa da sala e assim se manteve como entrada comum para os dois ambientes.

Entretanto, a AEE permaneceu ali por pouco tempo e acabou se mudando, de maneira que voltamos a ficar sós no local.   Ótimo!

Finalizando, quero dizer que além da caixa 474 que os tupinambás tinham como endereço postal no prédio dos correios, agora havia um novo endereço:

GRUPO ESCOTEIRO TUPINAMBÁS – 44°
Avenida Maurício Cardoso
Viaduto Rubem Berta
Erechim-RS

(Em tempo: Este relato teve importantes detalhes lembrados e acrescentados pelo meu irmão também escoteiro  Rogério – Rena Allegretti)

Crédito foto: Jornal Bom Dia
Sede do Tupinambás no Viaduto Rubem Berta em 2020
Crédito foto: Paulo Hubner
Sede do Tupinambás no Viaduto Rubem Berta em 2020
Crédito foto: Paulo Hubner
Sede do Tupinambás no Viaduto Rubem Berta em 2020
Crédito foto: Paulo Hubner
Sede do Tupinambás no Viaduto Rubem Berta em 2020
Crédito foto: Paulo Hubner
Sede do Tupinambás no Viaduto Rubem Berta em 2020
Crédito foto: Paulo Hubner